"Consta que parte dos nossos falhanços em matéria de progresso se deve a uma putativa falta de ambição genética. Em Portugal, contentamo-nos com pouco. Dizemos demasiadas vezes que o óptimo é inimigo do bom, quando isso só raramente faz sentido (...). Combater esta característica que nos inebria requer empenho e convicção. Não sendo propriamente excitante, viver assim, com objectivos modestos, expectativas baixas, tudo sob controlo, enfim, pode ser tentador. Digamos que um sueco ou um alemão (va, um espanhol) não corre tanto perigo como nós de cair na tentação de viver encostado a esta placidez que nos ilumina os dias (nem os deixam, tão-pouco). É certo que mais do que a atmosfera que se respira à nossa volta, o melhor escudo contra o conformismo (...) é a nossa própria natureza. Só que essa, como o nome indica, já nasce connosco. Não se cria e dificilmente se altera. Ora, a natureza da generalidade dos portugueses - fruto do clima, do paternalismo do Estado, da qualidade do vinho, sei lá bem - sucumbe logo à sereia do facilitismo.
E, no entanto, o discurso de sobrolho carregado que apela a um maior grau de exigência e ambição do bom povo português já soou melhor que hoje. Os seus autores, como se deve ter reparado, esquecem-se frequentemente de dar o exemplo. De resto, há um grave problema de discurso neste país. Uma espécie de desrespeito instituído pelo acto de comunicar, independentemente do destinatário ser a população inteira, a equipa com que trabalhamos ou apenas uma pessoa a quem, por qualquer razão, devemos explicações. Instalou-se a ideia de que tornar as nossas palavras em actos, fazer tudo ao nosso alcance para que isso aconteça, é meramente opcional, secundário. Diz-se e depois vê-se. A palavra é usada de forma cada vez mais leviana. Pior: é usada de forma leviana sem que isso signifique correr grandes riscos, porque esperar que ela seja cumprida também é um costume que já caiu em desuso. Os políticos estão longe de ser os únicos culpados por esta distorção, que não é bem demagogia, mas uma farsa generalizada que todos aceitam praticar com maior ou menor grau de lucidez. É como se a língua portuguesa tivesse sido substituída por publicidade enganosa sem ninguêm dar por isso. A sociedade aprendeu a viver com o não cumprimento da palavra e praticá-lo no dia-a-dia. Os sintomas são, entre outros, a falta de pontualidade, a falta de planeamento, a falta de organização, a falta de confiança e, no final, o desencorajamento e a letargia. A doença não mata mas mói, até mesmo os mais determinados.
Os portugueses contentam-se com pouco (...)."
By Francisco Camacho in "NS'"
12 de Outubro de 2006
E, no entanto, o discurso de sobrolho carregado que apela a um maior grau de exigência e ambição do bom povo português já soou melhor que hoje. Os seus autores, como se deve ter reparado, esquecem-se frequentemente de dar o exemplo. De resto, há um grave problema de discurso neste país. Uma espécie de desrespeito instituído pelo acto de comunicar, independentemente do destinatário ser a população inteira, a equipa com que trabalhamos ou apenas uma pessoa a quem, por qualquer razão, devemos explicações. Instalou-se a ideia de que tornar as nossas palavras em actos, fazer tudo ao nosso alcance para que isso aconteça, é meramente opcional, secundário. Diz-se e depois vê-se. A palavra é usada de forma cada vez mais leviana. Pior: é usada de forma leviana sem que isso signifique correr grandes riscos, porque esperar que ela seja cumprida também é um costume que já caiu em desuso. Os políticos estão longe de ser os únicos culpados por esta distorção, que não é bem demagogia, mas uma farsa generalizada que todos aceitam praticar com maior ou menor grau de lucidez. É como se a língua portuguesa tivesse sido substituída por publicidade enganosa sem ninguêm dar por isso. A sociedade aprendeu a viver com o não cumprimento da palavra e praticá-lo no dia-a-dia. Os sintomas são, entre outros, a falta de pontualidade, a falta de planeamento, a falta de organização, a falta de confiança e, no final, o desencorajamento e a letargia. A doença não mata mas mói, até mesmo os mais determinados.
Os portugueses contentam-se com pouco (...)."
By Francisco Camacho in "NS'"
12 de Outubro de 2006